Sinto uma gota fria descer pela minha coluna. Tantas vezes já deixei gotas percorrerem esse mesmo caminho, mas talvez nunca tenha dado a mesma atenção que dediquei a esse minúsculo amontoado de água. Quando será que deixei de notar coisas que percorrem meu ser? Definitivamente não sei, mas percebo de repente o valor dessa ínfima gota. Meu primeiro pensamento é atribuir ao cansaço dos primeiros dias como mãe essa nova descoberta do prazer de um banho porque, claro, banhos calmos se tornaram artigo de luxo. Paro mais um tempo para sentir cada centímetro percorrido por essa mesma gota, desejando que dure talvez uns 2 ou 3 minutos mais esse silencioso rumo… Quando a gota vai embora pelo ralo, meus olhos se abrem e finalmente percebo o rastro de limpeza que ela deixou, não só no corpo, mas na alma e no coração. Por que tenho insistido em pensar nela como heroína que me salva do cansaço de maternar? Que tal pensar que exatamente por me permitir viver intensamente esse novo momento é que consegui despertar para sensações que faziam parte do meu dia, quando eu tinha todo tempo só para mim, e eram até então invisíveis? Quantas gotas não percorreram esse mesmo trajeto e foram embora sem que fossem notadas? Ah, tempo… você sempre no comando de tudo e eu sempre reclamando de você. Desligo o chuveiro e volto para minha função, não mais desejando prolongar momentos particulares, mas entendendo a preciosidade de sentir cada minuto com calma, com alma.
028 maio 2019
O tempo pelo ralo
Gabriela Ferraz
Sou uma observadora da vida. Qualquer simples cena ou pessoa que me comova, vira história, lição a ser declamada. As palavras rapidamente se conectam e me transportam para cenas imaginárias antes mesmo que meus dedos alcancem o teclado ou a caneta risque o papel. Tudo vira texto, sem definição de gênero literário, mas na minha forma mais honesta de compartilhar aprendizados com o mundo.
(foto do perfil: @dessa.caixeta)